sexta-feira, 13 de setembro de 2013

O labirinto





Era feriado e pus-me a andar pela praça de minha cidade. Cidade pequena, mas de praça extensa, em que se cabiam pernas e mais pernas e sonhos e mais sonhos. Os meus, não por menos, também andavam por lá, mais especificamente, àquele momento, pelo coreto. Ali, o ponto mais alto, só ficando abaixo das torres da igreja. Eu não poderia, porém, subir nas torres da igreja. O coreto era acessível – para as pernas, para os sonhos.

Eu olhava ora os capitéis, ora as muretas, ora o além que o horizonte me oferecia. Entre um e outro repouso da visão, era o ouvido a captar a algazarra de bandos de moleques que corriam para os campos ou de bandos de maritacas que manchavam de verde o azul do céu. Eu me percebia só sentidos, esquecendo-me propositadamente, de que pudesse haver algum motivo, ínfimo que fosse, para atiçar-me a necessidade de reflexão. Era, pois, dia de qualquer coisa que transformava aquelas vinte quatro horas em dia de nada. A tarde era minha, sem acontecimento que se interpusesse entre mim e ela.

Acontece que o sentido, feito criança teimosa, não raro insiste em ornamentar-se de fantasia e memória. Um cheiro de perfume, um toque de seda por sobre a pele... e vêm os anjos a desfilar. Da memória, saltam as palavras e tudo o mais de símbolo na paisagem e de pergaminho na ponta da pena que vai à mão. Da fantasia, erige-se o casebre que, de fato, nunca se construiu e, talvez por isso, nunca viesse a ser habitado pelo moço bonito que visita meus sonhos em todas as madrugadas, pontualmente às quatro da manhã.

A casinha ficava ao pé da serra. Tinha janelas e portas azuis. No sofá da sala é que o casal se sentava, bem no finzinho da tarde, a esperar pelo clarão da lua. Nesse meio tempo, o silêncio pungente saía a passear com as formigas, em correição. Desengavetavam-se os afetos e transportavam-se todos eles para o abraço, para o beijo. O cubículo era luz, apenas! Mas, um sopro, e eis que a tênue nuvem... onde? tempestade!

Foi pela imaginação e pela lembrança que eu não voei do coreto. Os pés se fincaram ao chão de cimento e quartzito. Os pés criaram paredes e recantos. Aproximava-se a hora da comemoração solene – dia de quê, afinal? Vozes outras, sons outros... o burburinho não me fazia reconhecer o que havia para mais que dois passos. O que se fizera dos degraus que conduziam à saída? Prisão, quando se pode caminhar, mas não se pode mudar o espaço?

Festa na praça. Indiferente para mim se é celebração de bodas ou execução em guilhotina. Já não são longínquos os urros amedrontadores. Não há fio que me conduza à saída do labirinto.




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