sexta-feira, 20 de maio de 2011

No bordado das almofadas



Vou retratar a Marília,
A Marília, meus amores;
Porém como? se eu não vejo
Quem me empreste as finas cores:
Dar-mas a terra não pode;
Não, que a sua cor mimosa
Vence o lírio, vence a rosa,
O jasmim, e as outras flores.

Ah! Socorre, Amor, socorre
Ao mais grato empenho meu!
Voa sobre os Astros, voa,
Traze-me as tintas do Céu.


Hoje vou ser feliz, porque o amor, esparramado no bordado das almofadas, me convida a olhar, pela janela, o céu de maio, limpo, azul tão quase quanto os olhos que não são os meus nem os seus. Nem me importa quem está brigando pelo título de homem mais rico do mundo. Sem pecúnia alguma, somos nós agora mais ricos ainda!

Tem a mim o amor, sobre essas almofadas, em arroubos neoclássicos. O espaço de maio aclara flores de seda coloridas, tão ostentosamente bordadas por próprias mãos. Misturam-se ao tecido nuances outras de um arco-íris surgido das águas íntimas de nossos corpos. Trânsito livre para as tintas do céu!

Um mote deste? Dois parágrafos a escorrer assim? Vejo assustados os olhos do leitor, habituado que está à minha generosa e expansiva angústia!

É que, logo pela manhã, se apossou de mim aquela vontade de remexer prateleiras de livros. E havia um, espremidinho entre volumes mais colossais. Justamente este de Tomás Antônio Gonzaga. Peguei-o. Folheei-o desprevenidamente. Os olhos caíram sem pretensão por sobre a Lira VII e, a seguir, voaram, para o vaso das delicadas flores de maio. Ah! instalara-se o mal! A razão se viu atribulada por rítmicas bucólicas.

Não pense, entretanto, leitor, que perdi de vez o insensato juízo. Para que não diga que estou louca e distraidamente a escrever sobre flores, cores e amores, para que não diga que não pensei em pedras, vou confessar-lhe. Nenhum trabalho manual é solitário. Acompanha-o a voz muda do pensamento. À proporção que o fazia, recitava o mais famoso poema de Drummond.

No bordado das almofadas, cada ponto repetia o meio do caminho para afugentar a vistosa paleta da pintura de Marília. No compasso dessas minhas Minas, o coração voava, acompanhando os olhos. Espatifou-se de repente? Pedras deste chão de Ouro Preto sem salvação! Em alguma das laçadas o amor me socorreu. Gritou que eu esquecesse a pedra. Fiquei exatamente costurada aos versos centrais: “Nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas”.

Assim foi que não dispensei o mote nem qualquer desses parágrafos. A terra se tinge de todas as tintas. A minha literatura se faz de todos os poetas. Qualquer que seja o livro, lá encontro a minha riqueza. Qualquer que seja a letra, a palavra... lá os bordados são Amor.

5 comentários:

  1. E tem gente que ainda consulta horóscopo! Todas as sensações do mundo estão ao alcance das nossas mãos se estivermos disponíveis a esta carícia do acaso que a vida, a todo instante, nos reserva.

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  2. Muito legal o texto! E ainda vem com uma pitada de Drummond! Bom final de semana e abraços!

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  3. Ah, Márcia, amei...Tua própria crônica é um bordado, de um fio vais construindo uma bela imagem. Adoro teu estilo, acho que já te disse antes.
    Beijos,

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  4. Muito lindo o texto, uma viagem pelas palavras.Beijos

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  5. prosa-poética cheia de imagens que desejaria viver, coisas raras no meu dia dia

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