sábado, 27 de novembro de 2010

O fecho



Sabe quando a mulher veste sutiã que tem fecho na frente e o abraço é tão apertado que solta o fecho – às vezes até quebra o fecho? Pois é, aconteceu comigo. Episódio que ficará registrado na memória pelo cômico da situação, em contraste com a ansiedade da expectativa. Sutiã vermelho, lindo, com renda, novo!

Sabe o que acontece quando se tem um sutiã vermelho, lindo, com renda, novo... e com o fecho quebrado? Meu Deus! Ainda existem armarinhos, lojas de aviamentos? Era assim que a gente chamava há alguns poucos anos, quando minha mãe era costureira bem procurada e as mulheres ainda tinham o costume maior de comprar tecidos em vez de roupas prontas.

Despi-me da sensualidade das curvas femininas realçadas pelos detalhes da lingerie. Voltei à infância das caixas de costura cheias de bugigangas e cores que seduziam o olhar da menina vaidosa. Chegou até o ouvido o eco da fala da mãe pedindo para correr à venda: um retrós de linha branca, 2 metros de elástico... Revivi a atração da intensa variedade de belas rendas, tirinhas de strass e lantejoulas, fitas de cetim, sutaches, passamanarias e sianinhas. No ímpeto do espírito artesão decidi consertar a peça.

Aproveitei o sábado e saí em busca do tal fecho. Não queria o prejuízo do sutiã novo sem uso. Vasculhei os cantinhos do centro da cidade, uma porta comercial mais tímida, sem vitrine, mas que vendesse o equipamento. Nada! Lãs, linhas, agulhas, botões, alfinetes. Porém, nenhum fecho delicado que se encaixasse na delicadeza do artefato.

Decepção. De propósito de arrebatamento fálico a investimento falido! Entretanto, com uma pontinha de esperança – precipitado ainda desfazer-me dela – aposentei a lingerie no fundo da gaveta. O desejo agora é tão somente de correr de volta para o abraço.
     

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Descer - Subir

    
Na minha visão extremamente ocidental, de saberes formais acumulados, digo subir para o norte e descer para o sul. Um motorista goiano conversa comigo, abala minhas certezas. Subir é pra Minas – altitude desenhada concretamente nas serras do percurso acidentado. Descer a gente desce é pros lados de Tocantins. E eu vou me apaixonando pelos poemas dos becos de Goiás. Aprendendo com Aninha o segredo dos doces sem açúcar.

Houve um tempo, adolescente desajeitada, um poetar inconsciente, preso à dificuldade de expressão oral e à necessidade mais premente de transformar as horas em pão... Nesse tempo, eu descia divagando com Manuel Bandeira do Capiberibe à Guanabara. "Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte? — O que eu vejo é o beco".

Morri em várias noites lacrimejantes acreditando que o verso mais bonito da Literatura Brasileira fosse "a vida inteira que podia ter sido e que não foi". Mas, se fui moça de letras tristes, soprou-me recentemente um vento de través, da nuca para a menina dos olhos, que é possível amadurecer com outras cores. Apurar, no fruto, perfumes outros.

Agora, minha janela se abre para a Serra Dourada. Todas as leituras de minha vida costuram-se em um novo mapa-mundi. Azuis e verdes google são nada quando se trilham tempos e espaços reais por estradas que desconstroem a noção norte-sul.

Descer-subir. Agarro-me à fala do motorista. É a minha certeza neste momento. Eu, que ainda preciso tanto de certezas,... vejo-me diante de novo verso para chamar de o mais bonito da Literatura Brasileira: "tu encontrarás, sempre, no teu caminho, alguém para a lição de que precisas".


terça-feira, 9 de novembro de 2010

Dança




Aos sábados
ela ouve música clássica enquanto ele joga bola.
Tudo parece tão perfeito!
O que ninguém sabe
(e ela nunca vai contar)
é que num cantinho seu de tálamo e fantasia
a música muda de ritmo.
E, a cada vez que as pernas dele dançam
na bola, na grama, no lance fantástico,
ela também dança.
De corpo inteiro, de alma inteira
entrega total...
uma casa que não a sua
um outro alguém que não ele
um amor que transcende à música e ao futebol.
Tudo tão perfeito!