sexta-feira, 2 de abril de 2010

Atar as duas pontas

       
Aprendi a ler e escrever aos quatro anos de idade. Fato de suma importância na história da minha infância, porque me tornou, numa família de cinco filhos, assunto de pauta na conversa com as visitas de domingo. Quando precisei ficar internada, ainda tão pequenina, ler o crachá do médico transformou minha passagem pelo hospital em um agradável passeio. Ganhei uma coleção de livros do pediatra; praticamente o primeiro presente da minha vida. Ganhei admiração. E acredito que sou a única pessoa do mundo que, ao sonhar com as paredes clarinhas daquela enfermaria, acorda com um sentimento nostálgico.

Bem, por que estou a falar de quando aprendi a ler e escrever? Talvez porque, dentre todas as atividades que realizo, as únicas que realmente sei fazer são essas. O problema é que, mesmo afirmando que sei fazê-las, acabo por não executá-las. Daí, a fonte de minhas ansiedades. A vida é uma luta insana contra o tempo. Planejar é simples. Executar os planos, porém... A necessidade de sobrevivência prevalece sobre a necessidade de satisfação pessoal. Não consegui o equilíbrio dessa equação ainda.

Há dias, entretanto, que, em plena execução de qualquer outra tarefa, me vem tão nitidamente a vontade de “chutar o pau da barraca” e sei que para isso preciso ir lá na infância buscar a coragem perdida. Sócrates sabia muito bem a inatingibilidade de “Conhece-te a ti mesmo”.

Em minhas "n" tentativas de escrita tento conciliar o paradoxo que sou, ou que acredito ser. Romântica e moderna, tenho em mim um pouco de Scarlet O’hara e de Julieta. Morro pelo meu amor. Nunca morro de amor. Levo ao pé da letra a ideia de que os opostos se atraem, embora me ache tão parecida com meu par perfeito. Só não me perguntem sobre o meu par perfeito, por favor! Em decorrência da coragem perdida, trago a alma carregada de segredos. Devo ter alguma ligação genética com Bárbara Heliodora. Ou toda a angústia é só porque nasci em Minas, principalmente cresci em Minas, só morei em Minas. Ah! “o hábito de sofrer, que tanto me diverte”!

Difícil essa proposição imperativa de conhecer-se a si mesmo. Eu até proclamaria: impossível! Mas deparo-me com Chacal a dizer “Só o impossível acontece! O possível apenas se repete, se repete, se repete.” Não quero uma vida de eterna repetição, embora me sinta numa tendência a ser cíclica, atar as duas pontas. Deve ser por causa da variação hormonal feminina, ou a lua tem forte influência sobre mim, ou viver é isso, não é?...

O ciclo, entretanto, apresenta uma grande vantagem: não há ponto inicial nem final. Isso me consola por demais, porque (p...) me derramei nestas linhas e está difícil agora escrever seguindo a velha fórmula início-meio-fim. Entrego-me ao movimento. Que se repita! É tudo possível.
     

5 comentários:

  1. Descobri que não só pelo amor pela gramática e pela gratidão me identifico com você. Descobri que somos parecidas. Eu, você e Clarice. Também penso ser quase impossível o tal "Conhecer-te a ti mesmo", mas acredito que seja pelo fato de fugirmos sempre de nós mesmos. O oposto nos atrai por comodismo. É muito mais fácil lidar com o oposto do que com o espelho. Tentarei lidar melhor com quem se parece comigo, reconhecendo e entendendo neles meus próprios defeitos. Difícil. Mas começarei lendo Clarice Lispector e você. Um beijo grande.

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  2. Nossa, incrível. Não farei comentário tão excelente como este acima (ou abaixo) da Bruna, mas esta mocinha deve ter percebido neste post algo que também alcancei: Clarice Lispector. Não sei se aprecias o estilo dela, provável que sim; contudo, o fato de dois leitores terem identificado isto num texto é notável. Ainda mais na literatura, onde a interpretação é por vezes difusa.

    Já disse, gosto deste seu estilo; refinado sem ser pragmático. É, devo admitir: sou mesmo seu leitor e estarei sempre por aqui, a importunar em blogue alheio.

    Parabéns; texto belo e tocante deveras!

    Ah, claro; feliz Páscoa, sublime moça das letras 'montanhosas'!

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  3. Márcia, sou suspeito de falar de sua grandesa...
    mesmo porque ainda lhe vejo, como simplesmente, a minha pequena e querida sobrinha...
    Um abração minha querida, vc vai longe!

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  4. Márcia querida,
    quanto mais te conheço, mais fico admirada com a sua capacidade de reviver o passado. Impressões, sentimentos, sensações como se tivessem sido vividas dois minutos atrás. E a menina estava dentro da mulher, "como a fruta dentro da casca".
    E vc está longe de atar as duas pontas, uma vez que há muito para se viver e se conhecer, ainda que a aventura do auto-conhecimento seja quase impossível. Na verdade, vale mais pelo exercício em si do que pelo produto.
    Bjs no coração!

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  5. O espelho, o passado... Poderiam a Literatura e a Pragmática andar de mãos dadas? Eu e meus paradoxos! Obrigada, Bruna, Ricardo, meu querido tio Amir, Giu!!!! As palavras são belas, o afeto é visível, mas agradeço principalmente porque vocês me ajudam a avançar nas minhas metas, a insistir nos meus sonhos, a superar os meus defeitos. Eis-me aqui vencendo o meu maior desafio: a exposição!

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